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O que esperar de Jair Bolsonaro

Reading Time: 7 minutesUma pesquisa abrangente sobre como seria o governo do ex-capitão do Exército, caso ele seja eleito em 28 de outubro.
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Fernando Souza / AFP

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SÃO PAULO – Não acabou ainda. Mas o fim está próximo.

Parece muito provável que Jair Bolsonaro seja o próximo presidente do Brasil, após a eleição de domingo em que ele recebeu 46 por cento dos votos. Embora ele ainda tenha que enfrentar um segundo turno contra Fernando Haddad, do Partido dos Trabalhadores, em 28 de outubro, muitos observadores internacionais, investidores e brasileiros comuns já estão com a mira no futuro, tentando imaginar como será o governo de direita do ex-capitão do Exército caso ele seja eleito.

Venho acompanhando Bolsonaro de perto por mais de dois anos, fazendo entrevistas com ele e seus filhos (também políticos proeminentes) e mantendo contato com pessoas próximas à sua candidatura. Escrevi várias colunas descrevendo a ascensão do candidato e estive no Brasil na semana passada conversando com seus seguidores e críticos, além de membros da comunidade empresarial, da mídia e da sociedade civil. Neste artigo, deixarei de lado minhas opiniões pessoais sobre a candidatura de Bolsonaro para abordar, da forma mais fria e factual possível, como ele poderá atuar para corrigir a pior crise econômica do Brasil e uma epidemia de homicídios que matou um recorde de 63.880 pessoas em 2017, entre outras prioridades políticas.

Com base em minhas reportagens e com a ressalva de que os planos mais bem-sucedidos mudam com frequência, aqui estão quatro tendências que parecem caracterizar a potencial presidência de Bolsonaro:

1. Derramamento de sangue.

Se há uma coisa que os defensores e críticos de Bolsonaro tendem a concordar, é que nos próximos meses veremos uma onda de violência nas cidades brasileiras.

Afinal de contas, esta é a prioridade política de Bolsonaro: relaxar as leis que regem as forças de segurança, permitindo quem os policiais atirem primeiro e façam perguntas depois (de forma ainda mais ampla que hoje, considerando que a polícia já mata 5 mil pessoas por ano). A meta é intimidar ou matar narcotraficantes, ladrões e outros criminosos –  e assim reverter o aumento implacável do crime registrado desde do retorno da democracia ao Brasil em 1985.

Visto por alguém de fora, isso pode soar como histeria. Mas é, na verdade, simplesmente levar a sério o discurso de Bolsonaro e seus aliados. São muitas as citações que comprovam este argumento, mas só para dar um exemplo, no fim de agosto, ele disse que os criminosos “não são seres humanos normais” e que a polícia deveria ser recompensada, não punida, se “matar 10, 15 ou 20” de cada vez. A multidão de apoiadores de Bolsonaro culpa uma ênfase exagerada nos direitos humanos pela violência no Brasil, argumentando que os criminosos desfrutam de proteções mais amplas que os cidadãos comuns. Eles querem essencialmente um retorno às táticas da ditadura de 1964-a 1985, quando as ruas eram mais seguras.

A maioria dos especialistas independentes do setor de segurança adverte que tal abordagem não funcionará, notando que a sociedade brasileira mudou desde os anos 80 e que a militarização da segurança fracassou espetacularmente em lugares como o México e a América Central – e no Rio de Janeiro desde fevereiro deste ano. Estes alertas serão ignorados. A sociedade brasileira está com sede de violência. Em uma pesquisa do Ibope de março, 50% dos entrevistados concordaram com a afirmação “Ladrão bom é ladrão morto”, um slogan popular entre aqueles que apoiam a repressão. Outros políticos, incluindo governadores recém-eleitos, abraçaram a retórica de Bolsonaro com entusiasmo nas últimas semanas.

Com essa abordagem, muitos inocentes morrerão – ou serão torturados (outra tática que Bolsonaro apoia fortemente). A repressão provavelmente será acompanhada de violência extraoficial, assim como de “milícias”, e outros grupos do crime organizado ligados à polícia aproveitarão esse ambiente para acertar as contas e intimidar os oponentes. Espere mais casos como o de Marielle Franco, a vereadora negra da cidade do Rio de Janeiro cujo assassinato em março permanece sem solução. Um aliado de Bolsonaro que rasgou publicamente uma placa de rua honrando o nome de Franco recebeu mais votos que qualquer outro candidato no domingo para a Assembleia Legislativa do Rio. Esse é o Brasil de 2018.

2. Política econômica pró-empresas.

A grande aposta em Wall Street (e na Avenida Faria Lima) nos últimos meses tem sido tentar descobrir qual Jair Bolsonaro eles terão –  o político que apoiou de forma consistente as políticas econômicas dos estatistas durante seus primeiros 25 anos no Congresso, ou o político que no ano passado prometeu um governo pró-empresas focado em austeridade e privatização.

Eu apostaria na segunda opção, com um grau considerável de certeza.

A verdade é que Bolsonaro realmente não se importa com a economia –  sua paixão sempre foi “a lei e a ordem”, que também inclui repressão à corrupção. Mas ele entendeu corretamente há mais de um ano que, para se tornar presidente, precisaria do apoio do setor empresarial. Ele escolheu Paulo Guedes, um economista extremamente ortodoxo da Universidade de Chicago, para atuar como um tipo de “superministro das finanças”, responsável por administrar quase todos os aspectos da economia.

“E se Guedes deixar o cargo?”, preocupa-se o mercado, com certa razão. Mas eles ignoram que, a esta altura, o verdadeiro guru econômico de Bolsonaro e seus apoiadores não é Paulo Guedes, mas Donald Trump.

Você pode até rir. Mas a fórmula “trumpiana” de manter uma forte aliança com os empresários, uma linha dura contra o crime, um nacionalismo sem remorso e a retórica da liberdade econômica é agora vista pela direita brasileira como um caso de grande sucesso –  e um exemplo a ser seguido. Ela é considerada um evangelho pelo grupo de intelectuais que apoia Bolsonaro nas redes sociais e na imprensa (vários dos quais, incluindo Olavo de Carvalho, moram nos Estados Unidos). Um assessor de Bolsonaro preparou uma lista com os maiores sucessos de Trump para o chefe durante a campanha. O próprio Bolsonaro abraça as comparações entre eles.

Isso não significa que Guedes, ou a comunidade empresarial em geral, conseguirá tudo o que deseja. Alguns investidores expressaram preocupação depois que Bolsonaro se sentou ao lado de Guedes no Facebook Live e prometeu defender setores “estratégicos” da privatização. “Não vamos deixar nenhum país vir aqui e levar nosso patrimônio”, acrescentou Bolsonaro. Mas essa é uma jogada politicamente astuta – a privatização total da Petrobras, por exemplo, seria radical demais para a maioria dos brasileiros tolerar, até mesmo em 2018. E o comentário de “nenhum país” provavelmente se dirigia à China –  outro bicho-papão de Bolsonaro – e não ao capital estrangeiro em geral.

Com o déficit orçamentário brasileiro superando 8% do Produto Interno Bruto (PIB), a dívida nacional crescendo e o ambiente de negócios ocupando o 125º lugar entre 190 países num ranking do Banco Mundial, uma forte dose de ortodoxia certamente será necessária para o país se recuperar. O desempenho melhor que o esperado dos aliados de Bolsonaro, e da direita em geral, nas eleições legislativas de domingo, significa que a reforma previdenciária e outras mudanças são metas viáveis. Há o risco de que as políticas de segurança de Bolsonaro, ou ações que retrocedam a democracia, gerem agitação civil ou outras pressões políticas que, por sua vez, tornariam o ambiente de reformas mais difícil. Mas no curto prazo, pelo menos, os analistas de Wall Street provavelmente ficarão bastante satisfeitos.

3. Alinhamento quase total com o governo de Trump.

Como dito acima, os Estados Unidos se tornaram uma espécie de bússola para Bolsonaro e seus assessores — tanto que o candidato até saudou a bandeira americana e entoou “EUA! EUA!” com a plateia em um evento de campanha em Miami em outubro passado.

Isso teria sido suicídio politico para praticamente qualquer outro candidato brasileiro nos últimos 30 anos. Mas no clima atual, apoiar os EUA passou a ser uma espécie de código para rejeitar a ideologia da esquerda que governou o Brasil de 2003 a 2016 e levou o país ao atual desastre.

Esses não são gestos apenas superficiais. A equipe de Bolsonaro realizou reuniões com autoridades dos EUA nos últimos meses — uma prática comum durante a campanha — e deixou claro que, se eleito, ele será um aliado excepcionalmente leal à política externa. “Parece que (Washington) entregou uma lista do que quer do Brasil, e eles adotaram essa lista palavra por palavra”, disse uma pessoa a par das discussões.

De fato, é preciso revisitar as “relações carnais” do presidente argentino, Carlos Menem, durante a década de 90, para encontrar um governo sul-americano que tenha se aliado com Washington com tanto entusiasmo. O que isso significa na prática? Uma linha muito mais dura contra a Venezuela (e Cuba), cooperação total em questões ligadas ao combate ao narcotráfico, uma possível mudança da embaixada do Brasil em Israel para Jerusalém, a retirada dos acordos de clima de Paris, e um apoio vigoroso a Washington na Organização das Nações Unidas e outros organismos internacionais.

Isso vai agradar a base de Bolsonaro e posicionar o Brasil mais firmemente alinhado com outros governos sul-americanos. A Argentina, a Colômbia, o Chile e (possivelmente) o Peru também têm governos de centro-direita que se alinharam com Trump, embora provavelmente com menos entusiasmo que Bolsonaro. Outro benefício: acolher Washington forneceu cobertura política e diplomática eficaz a regimes como a Guatemala, que desrespeitaram as regras da democracia, especialmente nos últimos tempos, sob o comando do secretário de Estado Mike Pompeo e do assessor de Segurança Nacional John Bolton.

E isso nos leva à tendência final:

4. Erosão das regras da democracia.

Este é outro tópico que não deixa sombra de dúvida — Bolsonaro despreza a democracia, pelo menos a versão que vem sendo praticada no Brasil nos últimos 30 anos.

Ao longo dos anos, Bolsonaro sugeriu inúmeras vezes que o Congresso fosse fechado, disse que o maior erro do último governo militar foi “torturar em vez de matar” e disse que, se fosse eleito presidente, ele “iniciaria uma ditadura imediatamente”. Mais recentemente, ele prometeu encher o Supremo Tribunal Federal com ministros solidários. A desconfiança dele em relação aos políticos civis significa que seu gabinete provavelmente será composto principalmente por ex-militares, dizem os assessores. O companheiro de chapa de Bolsonaro, um general recém-aposentado, levantou a possibilidade de um “auto-golpe”, no qual os militares ajudariam o presidente a garantir maiores poderes, sob certas circunstâncias.

Bolsonaro suavizou um pouco o tom à medida que a eleição se aproximava, afirmando que suas declarações anteriores eram “figuras de linguagem” e que seus pontos de vista sobre a democracia (como a economia) evoluíram. Ele afirmou no noticiário mais popular do país, na noite de segunda-feira, que será um “escravo” da Constituição democrática de 1988 e governará com autoridade, mas não com autoritarismo. Mas há muito mais evidências que sugerem que Bolsonaro, diante de uma resistência, ignorará ou subjugará as práticas e regras democráticas para conseguir seus objetivos.

Vale a pena mencionar que ele talvez não precise disso. O resultado da eleição de domingo significa que Bolsonaro terá de lidar com um Congresso muito mais flexível do que o esperado, especialmente se ele vencer o segundo turno por uma margem saudável e apresentar uma agenda de governo forte. Grande parte do judiciário também pode apoiá-lo.

A verdade é que Bolsonaro terá um poder extraordinário para atuar como preferir, pelo menos a princípio. Depois da crise dos últimos anos, muitos brasileiros veem a democracia como sinônimo de caos, corrupção e perdão a criminosos. Apenas 8% dos brasileiros disseram ao Centro de Pesquisas Pew em 2017 que a democracia representativa é uma forma de governo “muito boa” — o índice mais baixo dos 38 países incluídos na pesquisa. Um diplomata veterano que conhece bem a América do Sul comparou o atual clima no Brasil à Venezuela na véspera da eleição de Hugo Chávez. “O ódio ao establishment era tão grande que Chávez pôde fazer o que quis”, disse o diplomata. “As pessoas simplesmente não se incomodavam.”

Brian Winter é editor-chefe da revista Americas Quarterly e vice-presidente de política da Americas Society/Council of Americas. Autor de best-sellers e colunista, Winter é um dos principais especialistas sobre a América Latina, colaborador frequente da mídia e palestrante em eventos internacionais.

 

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Winter is the editor-in-chief of Americas Quarterly and a seasoned analyst of Latin American politics, with more than 20 years following the region’s ups and downs.

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