Politics, Business & Culture in the Americas

Belém e seus desafios aguardam a COP 30

O fórum dará destaque aos desafios ambientais globais, mas também à realidade diária da Amazônia.
O campo de futebol na região de baixa renda Vila da Barca foi transformado em um depósito de entulho gerado por obras da COP30.Alessandro Falco
Reading Time: 8 minutes

Este artigo foi adaptado da edição especial da AQ sobre a COP30 e o Brasil | Read in English | Leer en español

Fotos de Alessandro Falco

BELÉM, BRASIL—Às 2 horas de uma tarde escaldante de maio, o ar na famosa Praça do Relógio está carregado de calor e umidade. Os ritmos familiares da música carimbó pulsam nas caixas de som de um vendedor. Urubus sobrevoam a área central perto do icônico mercado Ver-o-Peso, enquanto um operário da construção civil, encharcado de suor, opera uma serra elétrica. O som agudo da máquina penetra o zumzumzum dos transeuntes, servindo como um lembrete visceral: a cúpula global do clima, conhecida como COP30, está se aproximando.

Faltando apenas cinco meses para a abertura da Conferência das Nações Unidas sobre a Mudança Climática no coração da Amazônia brasileira, Belém é uma cidade em transformação. Nuvens de poeira pairam sobre estradas prontas para serem pavimentadas. Calçadas são refeitas e guindastes pontilham o horizonte. Desde o anúncio, em dezembro de 2023, de que Belém sediaria a COP30, autoridades estaduais e federais, bancos e grandes empresas, incluindo a gigante da mineração Vale, lançaram 38 projetos de infraestrutura totalizando mais de US$ 1,3 bilhão, segundo a mídia local.

Em um canteiro de obras perto do porto, operários labutam sob o sol ardido. “Somos cerca de 200 agora, mas estão contratando. Outros 500 devem chegar em breve”, diz Ricardo Brito, 42 anos, à AQ. Brito estava instalando corrimãos e melhorando o pavimento para os passageiros que desembarcarão ali durante a COP30. Ele trabalha para a construtora Pinheiro Sereni Engenharia, contratada para projetos relacionados à conferência. Nem todos têm contratos formais. “Quando isso acabar, a gente volta à busca de emprego”, acrescenta o colega Dorivaldo da Silva, 48 anos. Mesmo assim, eles dizem ter orgulho em fazer parte de uma transformação que esperam deixar como um legado além da cúpula.

Em nenhum lugar o ritmo frenético é mais visível do que no aeroporto internacional de Belém. As obras de expansão, orçadas em quase US$ 85 milhões, têm a meta de triplicar sua capacidade. Mas o aeroporto permanece aberto ao público, resultando em uma mistura estonteante de ruído e poeira. Britadeiras competem com os anúncios nos alto-falantes, enquanto passageiros driblam trabalhadores carregando madeira e latas de tinta. Marteladas no telhado, uma furadeira que ruge nas proximidades e o zumbido de serras elétricas criam uma sinfonia caótica enquanto casais apressados, idosos ansiosos e crianças visivelmente incomodadas navegam pelo modesto terminal de dois andares. Painéis que cobrem o teto, visivelmente desalinhados, são indícios da velocidade com que tudo está se movendo aqui. Apesar de toda a poeira e dos atrasos nas obras, a ambição é clara: a cidade se prepara para receber líderes de quase 200 países.


Sob Pressão

Mais ao centro, um novo parque ao longo da Avenida Tamandaré apresenta uma das instalações mais controversas da COP30: a “eco-árvore”, uma estrutura metálica criada para sustentar trepadeiras não nativas da Amazônia. As plantas, murchas sob o sol implacável de Belém, viraram alvo de piadas online. “Essas plantas não aguentam tanto sol”, diz Maria Oliveira, de 70 anos, que vende ervas medicinais. Recentemente deslocada de seu ponto de venda próximo ao mercado Ver-o-Peso para dar lugar às reformas, ela comenta: “Eles mudaram a gente, e agora o nosso negócio está sofrendo.”

Oliveira colhe ervas das 39 ilhas fluviais de Belém, mas o calor extremo mudou a forma como trabalha. “Eu costumava reabastecer três vezes por semana. Agora, só vou uma vez. Está quente demais.” A COP30, segundo ela, só aumentou a dificuldade: “A gente costumava  vender 10 maços por dia. Agora, às vezes, não vendemos nenhum.” As obras no bairro empurraram os vendedores para uma área menos visível, com menos tráfego de turistas.

O sentimento é compartilhado por Ricardo de Souza, 59 anos, que vende castanhas da Amazônia. Sua renda bruta diária com as vendas caiu de US$ 540 em dezembro para US$ 107 em maio. As interrupções nas obras têm parte da culpa, mas a mudança climática também desempenha um papel. A seca do ano passado, uma das piores já registradas no país, dobrou os preços das castanhas. A seca afetou cerca de 60% do território brasileiro, aumentando o preço da energia e afetando a produção agrícola de forma mais ampla. Na região amazônica, rios imensos, como o Rio Negro, secaram, levando a população a depender de caminhões-pipa para ter acesso à água potável. Os incêndios também se intensificaram, destruindo 17,9 milhões de hectares na Amazônia em 2024.

No Pedra do Peixe, um porto à beira do rio, pescadores descansam em redes entre turnos. “Vim para cá quando tinha 11 anos”, diz Manoel Trindade, 63 anos. “Tinha mais peixe e não fazia tanto calor.” No mercado próximo, Maria Loura, 57 anos, outra erveira, diz que teve que reduzir suas horas de trabalho devido ao calor. “Às 4 da tarde, sinto que estou pegando fogo. Tenho que ir para casa, tomar um banho e pular na piscina. Construí uma só para sobreviver.”

Ainda assim, ela vê a COP30 como uma oportunidade necessária. “O mundo precisa de conserto. Mas conserto de verdade. Não só gente de olho nos nossos minerais.”

“By 4 p.m., I feel like I’m burning. I have to go home, take a shower, and jump in the pool. I built one just to survive.” —Maria Loura, 57, an herbalist, poses in the temporary medicinal herb section of Ver-o-Peso. Herbalists are among the market’s most iconic figures, selling traditional remedies deeply connected to Indigenous pharmacology.

—Maria Loura, 57 anos, uma erveira, exibe seu estoque na seção temporária de ervas medicinais do mercado Ver-o-Peso. As erveiras estão entre as figuras mais icônicas do mercado, vendendo remédios tradicionais profundamente conectados à farmacologia indígena.


Cúpula se depara com a realidade cotidiana

Para muitos em Belém, a COP30 ainda é um conceito vago. “Pensei que fossem as Olimpíadas”, diz Sara Alexandre, 54 anos, rindo. Moradora de longa data, ela diz que é impossível ignorar a mudança climática. “As pessoas estão desmaiando por causa do calor. Isso não acontecia antes.”

Uma iniciativa federal adicionará 6.000 leitos de navios de cruzeiro para acomodar os convidados. A cidade é acostumada a receber muitos visitantes para o Círio de Nazaré, uma peregrinação religiosa anual que atrai milhões. No entanto, os preços das moradias desta vez dispararam. “Todo mundo está se mudando para poder alugar suas casas”, diz Alexandre. “Ouvi dizer que uma pessoa está pedindo 2 milhões de reais (US$ 358.000) por um apartamento. Isso é um absurdo.”

Muitos tentam capitalizar com a conferência. O Faraó Motel, antes conhecido por seus filmes adultos e encontros discretos, foi rebatizado como “Hotel COP30”. Os quartos foram redecorados com arte temática de jacarés, e as diárias devem subir para US$ 1.000. “Estamos nos adaptando”, diz o recepcionista Joel Santos, 62 anos.

Belém, 24 de maio de 2025 — A previsão é de que as diárias subam para US$ 1.000 neste antigo motel que foi rebatizado como “Hotel COP30”.

Camadas de história, camadas de desigualdade

Fundada em 1616, Belém carrega a marca de séculos de histórias indígenas, coloniais e de imigração. Ferramentas ancestrais encontradas em escavações na região datam de 6.000 anos atrás. Os bairros da cidade ainda têm edifícios de 200 anos da Belle Époque, com toda a simetria europeia, mas agora corroídos pelo tempo e pela umidade tropical. Em uma praça abandonada, uma placa desgastada cita o padre jesuíta do século XVII, Antônio Vieira, que comparou os arredores de Belém à Torre de Babel. “Houve apenas 72 línguas lá […] mas no Rio Amazonas, as línguas são tantas e tão diversas que ninguém sabe seus nomes ou número”.

A Belém moderna é residência para 1,3 milhão de pessoas e conta com uma indústria gastronômica renomada, mas a cidade enfrenta sérios desafios. Apenas seis em cada dez moradores têm acesso a esgoto tratado, posicionando Belém entre as piores cidades do Brasil em saneamento básico. Ana Maria Corrêa, 38 anos, mora ao lado do Canal Murutucu, onde são realizadas obras de saneamento relacionadas à COP30. “Eles estão pavimentando a avenida, mas a nossa casa ainda não tem esgoto”, diz ela. A casa de sua vizinha rachou com as vibrações das obras. “O andar de cima está afundando”, diz Maria do Socorro, 65 anos. Nenhum reparo foi garantido pelo Consórcio Canal Murutucu, o grupo responsável pelas obras na área.

—Ana Maria Corrêa, 38 anos, em frente a sua casa, que fica ao lado do Canal Murutucu. Embora o canal esteja em construção, a casa ainda carece de serviços básicos de saneamento.

Em outros locais, como o Canal Gentil e a Vila da Barca, áreas de baixa renda enfrentam problemas semelhantes. Um campo de futebol frequentado pelos moradores agora está enterrado sob os escombros da construção. “A gente não joga mais”, diz Fernando Carvalho, 23 anos, mostrando fotos de torneios passados.


Um paradoxo ambiental

Belém está no centro das contradições climáticas do Brasil. Enquanto se prepara para sediar a maior cúpula climática do mundo, o Estado do Pará também abriga as maiores minas de ouro ilegais do país, que envenenam rios e devastam florestas. Em 2024, o desmatamento neste Estado atingiu 1.271 quilômetros quadrados — quase o tamanho de duas cidades de Nova York. Incêndios florestais cobriram grande parte do Brasil com uma espessa fumaça negra durante semanas.

Belém também é vista como um centro logístico nos planos do governo de explorar petróleo em 47 blocos offshore a centenas de quilômetros no mar, no frágil ecossistema da foz do Rio Amazonas — uma área marinha biologicamente rica e pouco estudada. Em maio, o Ibama, órgão de proteção ambiental do país, aprovou a etapa final de preparação para a perfuração simulada do leito marinho.

—Fernando Carvalho, 23 anos, morador local, na área onde costumava jogar futebol. O campo em frente a sua casa foi transformado em um depósito de entulho devido à COP30.

De volta a Belém, outro projeto da COP30 — o alargamento da Rua da Marinha, recentemente financiado por um empréstimo de US$ 45 milhões do BNDES, o banco de desenvolvimento do Brasil,— atravessa uma floresta preservada. O canteiro de obras é uma clareira de terra vermelha, com um tronco derrubado entre as árvores amazônicas. “Está indo mais longe sobre a floresta”, diz um operário, apontando para um riacho que será aterrado e um bosque de pés de açaí que será removido. Algumas das árvores desmatadas foram transplantadas para o Parque da Cidade, também em construção para a cúpula climática, incluindo uma sumaúma de 15 metros plantada simbolicamente pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em fevereiro.

Segundo a engenheira Beatriz Rosa, que supervisiona o cumprimento de leis ambientais da Vale no Parque da Cidade, os detritos da obra estão sendo enviados para o aterro sanitário de Aurá, nos arredores de Belém. Lá, Henrique Adriano, de 21 anos, catador de recicláveis desde os 10 anos, descreve a vida perto do lixão: “Nossa rua é intransitável, sem asfalto, só lama. Os carros derrapam na estrada todos os dias. Às vezes, o ônibus escolar nem consegue passar, e as aulas são canceladas.”

—Henrique Adriano, 21 anos, catador de recicláveis, trabalha no aterro sanitário nos arredores de Belém.

Para Belém, a COP30 é tanto uma oportunidade quanto um acerto de contas. Os investimentos podem trazer melhorias duradouras, mas também revelar um abandono de longa data. A conferência climática destacará não apenas os desafios ambientais globais, mas também a realidade diária da pobreza urbana da Amazônia.

À medida que os preparativos continuam, o povo de Belém se prepara para a mudança — esperançoso, cauteloso e determinado a garantir que suas vozes não se percam em meio ao som das britadeiras e das promessas de progresso.

ABOUT THE AUTHOR

Bruno Abbud
Reading Time: 8 minutes

Abbud is a journalist based in São Paulo. He has written recently for Sumaúma, Ojo Público and Deutsche Welle, and was an O Globo correspondent.

Follow Bruno Abbud:   LinkedIn  |   X/Twitter


Tags: Amazon, Belém, Brazil, COP30
Like what you've read? Subscribe to AQ for more.
Any opinions expressed in this piece do not necessarily reflect those of Americas Quarterly or its publishers.
Sign up for our free newsletter